“Planto flores no caminho para que não me faltem as

borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo

não é o fim. É o começo."

Day Anne



24 de fev. de 2010

A janela dos outros



O tema postado anteriormente apareceu sincronisticamente ao longo de meu dia.
Encontrei este texto da gaúcha Martha Medeiros em meus arquivos, "por acaso" enquanto procurava outro. Em blogs amigos também me deparei com a presença de janelas. Sendo assim, rendo-me e compartilho uma outra versão do mesmo assunto, inclusive por também haver lido o livro mencionado.

Gosto dos livros de ficção do psiquiatra Irvin Yalom (Quando Nietzsche Chorou, A Cura de Schopenhauer) e por isso acabei comprando também seu Os Desafios da Terapia, em que ele discute alguns relacionamentos padrões entre terapeuta e paciente, dando exemplos reais. Eu devo ter sido psicanalista em outra encarnação, tanto o assunto me fascina.
Ainda no início do livro, ele conta a história de uma paciente que tinha um relacionamento difícil com o pai. Quase nunca conversavam, mas surgiu a oportunidade de viajarem juntos de carro e ela imaginou que seria um bom momento para se aproximarem. Durante o trajeto, o pai, que estava na direção, comentou sobre a sujeira e degradação de um córrego que acompanhava a estrada. A garota olhou para o córrego a seu lado e viu águas límpidas, um cenário de Walt Disney. E teve a certeza de que ela e o pai realmente não tinham a mesma visão da vida. Seguiram a viagem sem trocar mais palavra. Muitos anos depois, esta mulher fez a mesma viagem, pela mesma estrada, desta vez com uma amiga. Estando agora ao volante, ela surpreendeu-se: do lado esquerdo, o córrego era realmente feio e poluído, como seu pai havia descrito, ao contrário do belo córrego que ficava do lado direito da pista. E uma tristeza profunda se abateu sobre ela por não ter levado em consideração o então comentário de seu pai, que a esta altura já havia falecido. Parece uma parábola, mas acontece todo dia: a gente só tem olhos para o que mostra a nossa janela, nunca a janela do outro. O que a gente vê é o que vale, não importa que alguém bem perto esteja vendo algo diferente. A mesma estrada, para uns, é infinita, e para outros, curta. Para uns, o pedágio sai caro; para outros, não pesa no bolso. Boa parte dos brasileiros acredita que o país está melhorando, enquanto que a outra perdeu totalmente a esperança. Alguns celebram a tecnologia como um fator evolutivo da sociedade, outros lamentam que as relações humanas estejam tão frias. Uns enxergam nossa cultura estagnada, outros aplaudem a crescente diversidade. Cada um gruda o nariz na sua janela, na sua própria paisagem. Eu costumo dar uma espiada no ângulo de visão do vizinho. Me deixa menos enclausurada nos meus próprios pontos de vista, mas, em contrapartida, me tira a certeza de tudo. Dependendo de onde se esteja posicionado, a razão pode estar do nosso lado, mas a perderemos assim que trocarmos de lugar. Só possuindo uma visão de 360 graus para nos declararmos sábios..
E a sabedoria recomenda que falemos menos, que batamos menos o martelo e que sejamos menos enfáticos, pois todos estão certos e todos estão errados em algum aspecto da análise.
É o triunfo da dúvida.

Por Martha Medeiros

2 comentários:

Taddeu Vargas disse...

Olá Denise, belo texto da Martha e muito belos os seus!
Sobre o primeiro, lembro que chegamos até a cunhar uma frase para esse tipo de sentimento: "É difícil se colocar no lugar do outro", que significa o mesmo que "É difícil enxergar com os olhos do outro". Esta é uma questão capital no relacionamento entre os humanos!
Sobre os teus textos, há pouco o que dizer, e muito o que ler!
Beijo grande.

Denise disse...

Você bem sabe o quanto admiro esta tua conterrânea. Muitas vezes a leio me perguntando se esteve a ouvir-me os pensamentos...rs

O tema que postei e você tanto gostou...rs...vem mesmo bem de encontro com o que inúmeras vezes dissemos sobre essa capacidade tão rara do ser humano de vestir a pele do outro. A boa notícia é que a vida se encarrega de mostrar, em algum momento, aquilo que os olhos do coração não conseguiram ver - só estes parecem ter a infinita capacidade de ver além matéria, não é mesmo? Talvez a cegueira momentânea seja o degrau faltante da escalada evolutiva, naquele contexto. Os relacionamentos humanos encerram tantas "questões capitais", que apontar uma como a central, pode ser um "pecado mortal"....rs

Como sempre, você me instiga na resposta...rsrs
Adorei você por aqui, a honra tão rara não tira o brilho da tua visita e nem diminui a generosidade de tuas palavras. Boa leitura, Marujo!
Beijão pra vc tb!