“Planto flores no caminho para que não me faltem as

borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo

não é o fim. É o começo."

Day Anne



30 de mar. de 2012

A palavra.




Freud costumava dizer que os escritores precederam os psicanalistas na descoberta do inconsciente. Tudo porque literatura e psicanálise possuem um profundo elo em comum: a palavra.

Já me perguntei algumas vezes como é que uma pessoa que tem dificuldade com a palavra consegue externar suas fantasias e carências durante uma terapia. Consultas são um refinado exercício de comunicação. Se relacionamentos amorosos fracassam por falhas na comunicação, creio que a relação terapêutica também poderá naufragar diante da impossibilidade de o paciente se fazer entender.

Estou lendo um belo livro de uma autora que, além de poeta, é psicanalista: Sandra Niskier Flanzer. E o livro chama-se justamente “a pa-lavra”, assim, em minúsculas e salientando o verbo contido no substantivo. Lavrar: revolver e sulcar a terra, prepará-la para o cultivo.

Se eu tenho um Deus, e tenho alguns, a palavra é certamente um deles. Um Deus feminino, porém não menos dominador. Ela, a palavra, foi determinante na minha trajetória não só profissional, mas existencial. Só cheguei a algum lugar nessa vida por me expressar com clareza, algo que muitos consideram fácil, mas fácil é escrever com afetação. A clareza exige simplicidade, foco, precisão e generosidade. A pessoa que nos ouve e que nos lê não é obrigada a ter uma bola de cristal para descobrir o que queremos dizer. Falar e escrever sem necessidade de tradução ou legenda: eis um dom que é preciso desenvolver todos os dias por
aqueles que apreciam viver num mundo com menos obstáculos.

A palavra, que ferramenta.

É
uma pena que haja tamanha displicência em relação ao seu uso. Poucos se dão conta de que ela é a chave que abre as portas mais emperradas, que ela facilita negociações, encurta caminhos, cria laços, aproxima as pessoas. Tanta gente nasce e morre sem dialogar com a vida. Contam coisas, falam por falar, mas não conversam, não usam a palavra como elemento de troca. Encantam-se pelo som da própria voz e, nessa onda narcísica, qualquer palavra lhes
serve.

Mas não. Não seve qualquer uma.

A palavra exata é uma pequeno diamante. Embeleza tudo: o convívio, o poema, o amor. Quando a palavra não tem serventia alguma, o silêncio mantém-se no posto daquele que melhor fala por nós.

Em terapia – voltemos ao assunto inicial – temos que nos apresentar sem defesas, relatar impressões do passado, tornar públicas nossas aflições mais secretas, perder o pudor diante das nossas fraquezas, ser honestos de uma forma quase violenta, tudo em busca de uma “absolvição” que nos permita viver sem arrastar tantas correntes. Como atingir o ponto nevrálgico das nossas dores sem o bisturi certeiro da palavra? É através dela que a gente se cura.


Martha Medeiros
Jornal de Santa Catarina
18/09/2011

8 comentários:

Toninho disse...

Linda e interessante estas reflexões a cerca da palavra e seu poder revolucionario.Gostei de "a pa lavra" iluminada idéia analogica, como a Metafora de Gilberto Gil.É maravilhoso o que se pode fazer no belo e correto delas.Pode a palavra preparar e revolver sentimentos e fazer da vida, um lugar melhor e mais emocionante e tambem o contrario.
Bela e inteligente escolha Denise nesta postagem e otimo ter vindo aqui hoje e ler esta reflexão profunda.
Meu carinhoso abraço de paz e luz.
Bjo.

Leonel disse...

Uma das coisas que diferenciam o ser humano dos outros seres é a capacidade de resolver as questões através da palavra...
E você sabe muito bem fazer uso da palavra...
Abraços, Denise!

MA FERREIRA disse...

Oie....

Amei o texto da Martha Medeiros.

A ultima frase: a procura da absolvição ficou na minha mente.

Eu faço terapia. E acho super importante a palavra.

A palavra que tem que ser entendida.

Acho que o terapeuta tem que se adequar a fala do paciente.

Eu faço terapia... e quando a fala do terapeuta não me chega;;;eu espero.... e digo...não entendi...

A sintonia acredito que venha dai Pq sem sintonia não ha terapia.

Bom...espero não ter escrito muita besteira...rsrs

Um beijinho....

Denise disse...

Oi Toninho, pra quem como eu, trabalha com a palavra, é importante refletir e conhecer o que as pessoas pensam sobre ela...eu adorei tuas observações, a comunicação é essencial, ela detém soluções, encera lindas declarações, salva e alegra, embora faça tanta confusão e provoque rupturas, dissabores, tristezas...mas, na terapia, através dela, a gente se cura!

Um grande abraço, meu amigo sempre presente e antenado...

Denise disse...

Verdade Leonel, embora hajam qüiproquós enormes por conta do mau uso delas, infelizmente.

Obrigada, meu amigo, mas onde as uso melhor é no meu trabalho, o que me deixa feliz!
Um abração pra vc!

Denise disse...

Besteira alguma Ma, o processo de terapia ocorre pela palavra, que precisa sim ser interpretada, trocada, repetida, simplificada, resumida, mas sempre, compreendida. E a sintonia a que vc se refere, ou rapport (como dizemos) é fundamental nessa interação. Que legal que vc faz terapia, eu a defendo pq acredito realmente, e pq considero uma missão, tanto que pude me tornar terapeuta...

Eu gosto demais da maneira como a Matha Medeiros escreve, ela usa bem as palavras...certamente!

Adorei te encontrar aqui, coisa bem boa, viu?!!
Bjos, Ma, um lindo fds pra vc!

Anônimo disse...

Olha,maravilhoso texto,aliás o blog é muito lindo,parabéns!
A Martha Medeiros é uma pessoa que quanto mais leio,mais quero ler,porque ela inspira,ela ri e chora com a gnte,parece até que já passou por tudo que passamos e ainda vamos viver.
É incrível ler o que ela diz,e a palavra é exatamente isso,é a força maior que temos,através dela demosntramos ternura,carinho,afeto,desaprovação e milhares de outras coisas.
Abraço,=)

Denise disse...

Que pena que não se identificou, um comentário tão gostoso, que agradeço e endosso, pq tb a sinto assim, * íntima de meus sentimentos *

Grata pela visita, um abraço pra vc!