“Planto flores no caminho para que não me faltem as

borboletas. Foram elas que me ensinaram que o casulo

não é o fim. É o começo."

Day Anne



1 de jun. de 2010

Entrevistando um TUAREG



Não sei a minha idade: nasci no Deserto do Saara, sem certidões...! Em um acampamento nómada Tuareg entre Tumbuctu e Gao, ao norte do Mali. Tenho sido pastor de camelos, cabras, ovelhas e vacas de meu pai. Hoje estudo Gestão na Universidad Montpellier. Sou solteiro. Defendo os pastores Tuareg. Sou muçulmano sem fanatismo.


- Que turbante tão bonito…!

- É uma fina tela de algodão: permite proteger o rosto no deserto quando se levanta areia, e seguir vendo e respirando através dele. É de um azul belíssimo….aos Tuareg chamam os homens azuis por isto: a tela solta algo e nossa pele se toma de tons azulados...


- Como elaboram este intenso azul anil?

- Com uma planta chamada índigo, misturada com outros pigmentos naturais. O azul, para os Tuareg, é a cor do mundo.


- Por quê?

- É a cor dominante: do céu, do teto de nossas casas.


- Quem são os tuareg?

- Tuareg significa “abandonados”, porque somos um velho povo nômade do deserto, solitário, orgulhoso: “Senhores do Deserto”, nos chamam. Nossa etnia é a amazigh (berbere), e nosso alfabeto, o tifinagh.


- Quantos são?

- Uns três milhões, e a maioria, todavia, é nômade. Porém a população decresce...É preciso que um povo desapareça para que saibamos que existia, denunciava um vez um sábio: eu luto para preservar este povo.


- A que se dedicam?

- Pastoreamos rebanhos de camelos, cabras, ovelhas, vacas e jumentos num reino de infinito e de silêncio…


- De verdade tão silencioso é o deserto?

- Sim estás a só naquele silêncio, ouves as batidas de teu próprio coração. Não há melhor lugar para se achar sozinho.


- Que recordações de tua infância no deserto conservas com maior nitidez?

- Meu despertar com o sol. Ali estavam as cabras de meu padre. Elas nos dão leite e carne, nós as levamos aonde há água e pastagem… Assim fez meu bisavô, e meu avô, e meu pai… E eu. Não havia outra coisa a mais no mundo do que isso. E eu era muito feliz nele!


- Sim! Não parece muito estimulante. ..

- Muito.. Aos sete anos já te deixam apartado do acampamento, para o que te ensinam as coisas importantes: a farejar o ar, escutar, apurar a vista, orientar-se pelo sol e as estrelas… E a deixar-se levar pelo camelo, se te perdes, te levará aonde há água. Saber isso é valioso, sem dúvida… Ali todo é simples e profundo. Há poucas coisas, e cada uma tem um enorme valor!


- Então este mundo e aquele são muito diferentes, não?

- Ali, cada pequena coisa proporciona felicidade. Cada roçar é valioso. Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos, de estar juntos! Ali nada sonha em chegar a ser, porque cada um já o é!


- O que mais chocou em tua primeira viagem a Europa?
- Vi correr as pessoas pelo aeroporto. No deserto só se corre se vem uma tormenta de areia! Assustei-me, claro…

- Só iam buscar as malas…
- Sim, era isso. Também vi cartazes de mulheres desnudas: por que essa falta de respeito com as mulheres? Perguntei-me… Depois, no hotel Ibis, vi a primeira torneira de minha vida: vi correr a água…. e senti vontade de chorar..

- Que abundancia, que desperdício, não?
- Todos os dias de minha vida haviam consistido em procurar água! Quando vejo as fontes ornamentais aqui e acolá continuo sentindo dentro uma dor tão imensa….

- Tanto assim?
- Sim. A principio dos 90 houve uma grande seca, morreram os animais, caímos enfermos. Eu tinha uns doze anos, e minha mãe morreu. Ela era tudo para mim! Me contava histórias e me ensinou a contar-las bem. Ensinou-me a ser eu mesmo.

- Que aconteceu com sua família?
- Convenci a meu pai de que me deixasse ir à escola. Quase todos os dias eu caminhava quinze quilômetros. Até que o professor me deixou uma cama para dormir, e uma senhora me dava de comer ao passar ante a sua casa. Entendi que minha mãe estava ajudando-me...

- De onde saiu essa paixão pela escola?

- Dois anos antes havia passado pelo acampamento o rali Paris-Dakar e uma jornalista deixou cair um livro de sua mochila. O recolhi e o dei a ela. Presenteou-me e me falou daquele livro: O Pequeno Príncipe. E eu me prometi que um dia seria capaz de lê-lo….


- E o ganhou...
- Sim. E assim foi como ganhei uma bolsa para estudar na França.

- Um Tuareg na universidade ..!
- Ah, o que mais me falta aqui é o leite de camela. E o fogo a lenha. E caminhar descalço sobre a areia quente. E as estrelas: lá as miramos cada noite, e cada estrela é distinta de outra, como é distinta cada cabra. Aqui, pela noite, olhas a televisão.

- Sim. Que é o pior que lhe parece aqui?
- Tendes de tudo, porém não basta. Queixai-vos. Na França passam a vida se queixando! Aprisionai-vos por toda a vida aos bancos, e há ânsia de possuir, frenesi, pressa. No deserto não há atrasos, e sabe por que? Porque ali nada quer se adiantar a nada.

- Conta-me um momento de felicidade intensa em distante deserto.
- É cada dia, duas horas antes do pôr do sol: diminui o calor, e o frio não chegou ainda, e homens e animais regressam lentamente ao acampamento e seus perfis se recortam no céu rosa, azul, roxo, amarelo, verde…

- Fascinante, na verdade…
- É um momento mágico. Entramos todos na tenda e pomos o chá no fogo. Sentados, em silêncio, escutamos a fervura. A calma nos invade a todos: as batidas do coração entram no compasso da ebulição da água...

- Que paz…
-
Aqui você tem o relógio, ali temos o tempo.


REFLEXÃO


Será que a vida deve ser marcada pelo tempo do relógio?

Quanto temos reclamado da falta de tempo??

O tempo é como um rio.

Você não pode tocar a mesma água duas vezes,

porque a água que passou, não passará de novo.

Aproveite cada momento da vida, encontrando tempo para VIVER.

Se você vive dizendo como você está ocupado, então você nunca estará livre.

Se você vive dizendo que você não tem tempo, então você nunca terá tempo.

Se você vive dizendo o que vai fazer amanhã, esse amanhã nunca chegará.

É impossível voltar atrás.

Valorize cada momento vivido, e esse tesouro terá muito mais valor

se você compartilhá-lo com alguém especial, especial o suficiente

para você gastar com ele o seu tempo...


E lembre-se, o tempo não espera por ninguém!

6 comentários:

Paula Betzold disse...

Pois é... e a gente acha que carrega fardos pesados... imagina viver assim?? Grande lição de vida!!!

beijinhos

Denise disse...

Pois é, Paula, grande lição mesmo...desconfio que o Tuareg - diante de seus valores tão sólidos - disse o mesmo, sobre nós...

Beijos pra vc tb. Um ótimo dia!

Cida disse...

Oi Denise!

Recebi recentemente esse e-mail, e me tocou profundamente.

Gostei de relê-lo aqui, com mais calma e tempo.

O nosso mundo é tão vasto, são tantos modos de vida, que para quem está de fora parecem inconcebíveis, não é mesmo?


Tudo de ótimo prá você amiga.

Paz e Luz!

Cid@

Denise disse...

Olá, Cida. Gosto de te encontrar por aqui, amiga.

Os valores, nessa mensagem, foi o que mais me tocou. A gente vive numa sociedade consumista, competitiva, onde as pessoas não têm tempo - o maior ensinamento do Tuareg - para viver. Nós rejeitamos a simplicidade, apenas para descobrir, muito mais tarde, que os valores que depositamos estavam equivocados. Não nos relacionamos uns com os outros, e a virtualidade mostra a extensão de pessoas solitárias (não em solitude), deprimidas, com a auto-estima rebaixada, sonhos perdidos, sentindo falta de pequenas coisas...um sorriso, atenção, conforto, abraços...compartilhamos melhor isto aqui na telinha do que no dia-a-dia. Não apreciamos as estrelas e um por-do-sol passa depois de outro, invisível...desbotando os valores que construímos. Parece que estamos num momento de retomada disso, sinto um movimento em fluxo - aqui, nos e-mails, na roda de amigos.

Esse tema daria uma crônica...rs

Bjos, amiga!

Tais Luso de Carvalho disse...

“- Sim. Que é o pior que lhe parece aqui?
- Tendes de tudo, porém não basta. Queixai-vos. Na França passam a vida se queixando! Aprisionai-vos por toda a vida aos bancos, e há ânsia de possuir, frenesi, pressa. No deserto não há atrasos, e sabe por que? Porque ali nada quer se adiantar a nada.”

DENISE, não conhecia este texto. Li ansiosamente, analisando o necessário e o supérfluo. Sabes que chega a ser vergonhoso o modo que vivemos? Esta ganância, esta insatisfação, esta ambição em que estamos acostumados é lamentável E nada mudará nosso tipo de vida. Claro que uns alimentam mais suas almas; outros alimentam mais suas vaidades. Esta vida com apenas o essencial, mostrando um povo nômade com toda a sua simplicidade, mostra ao mesmo tempo uma grandeza que não estamos acostumados. Enquanto caminham à procura de água, ou aprendem a seguir os camelos para tal fim, nós jogamos água fora lavando carros nas calçadas e deixando torneiras abertas... E isso é o mínimo. Mas chegará o dia que faltará água no planeta, aliás em certas regiões da África, já falta.

Gostei imensamente, mas vou parar por aqui porque este teu texto dá pra falar um tempo que nem dá pra contar...
Beijos e meu carinho, e olha... tuas palavras, as últimas, no meu comentário, só tenho de agradecer e digo de coração: também te admiro!
Tais Luso

Denise disse...

Tais, minha admirável e tão querida amiga. Tb fiz esse "caminho" quando recebi o e-mail, e logo fui atrás da entrevista em texto, para poder publicar. Num primeiro momento, ia comentar o texto após a postagem, mas percebi que ficaria imenso juntando minhas considerações - e ainda mais, não quis contaminar quem o lesse...cada um reflete do seu jeito, não?

Tuas observações mostram a conscientização que as pessoas NÃO têm, no geral. O preço será pago, possivelmente pelos filhos de meus netos...mas o que mais angustia é a triste realidade, apontada já por vc: não vai mudar o estilo de vida da maioria, enquanto a parcela menor de pessoas preocupadas com o PRESENTE (já existem carências), faz sua parte. Lamentável, mas real. O "megafone" pode ser mais sutil, como postagens-alertas, mas já é uma iniciativa...

Obrigada pela carinhosa visita.
Bjo grande pra vc!