Eu estou vivendo um momento esquisito, de adaptação a uma cama - nova. O corpo rolou a noite toda, amanheceu dolorido e triste de saudade do colchão que o abraçava, acolhedor, amigo, reconfortante. Precisou ser beeeeemmm alongado no pilates, afinal, precisa estar cheio de disposição pra sentar-se no chão, correr atrás de menino arteiro, dar milhões de abraços demorados.
Bom, saindo da academia me dirigi à loja, por duas razões simples: a base da cama, tipo box, veio com falha na costura - considero que uma marca pra lá de (re)conhecida pecou no acabamento e isso me surpreendeu - e pra contar de meu desconforto, trocar uma ideia sobre as possibilidades de trocar o dito colchão por um mais macio, talvez. Fui instruída a dormir por mais uma semana (doeu só de ouvir!) para que o corpo se adaptasse, uma vez que tem memória e está buscando pelas sensações habituais. Tá eu melhorei muito a tal explicação, mas, em essência, é isso, e eu concordei, mas já fui me adiantando, querendo saber se a tal adaptação não ocorresse, se seria possível trocarmos apenas o colchão pelo que tem mais maciez nas fibras do látex. Ouvi esta resposta, vejam se nesta loja consideram que a satisfação do cliente é um critério importante de avaliação e, mais - e pior, se houve respeito no trato com uma cliente educadamente sorridente, bem humorada, apesar de dolorida: - "E se a senhora não gostar, depois de uma semana, vai chegar aqui querendo trocar de novo?"
Lamentos a parte, saí de lá decepcionada, avisada de que seria aberta uma ocorrência (oi?) e compromissada com a tal tortura semanal. A tal base será substituída, porque é impensável que o controle de qualidade não tenha visto, e eles têm compromisso, nesse quisito, com o público. Menos mal que se obriguem a atender a um rigoroso controle de qualidade (é, eu também ri disso!) que vai substituir a parte que nem é visível, pois trata-se da base de sustentação de um mero colchão desenvolvido pra dar conforto. Com isto o cliente não pode ficar insatisfeito!! Deixando de lado a ironia, também saí de lá com uma frase se repetindo, louca pra ser explorada: nosso corpo tem memória!
Faz como eu, esquece a cama, e vamos pensar juntos sobre isso...
Concluí que tem memória sim, olfativa, de tato, de paladar, de visão, de audição.
Eu me peguei sentindo algumas sensações que a memória da pele guardou, pra sempre, lembranças do que os músculos provaram, e os olhos fechados trouxeram os toques, os cheiros, o calor, o aconchego, a saudade relativa às memórias que armazenam o prazer; como o frio que as manhãs desagasalhadas de carinho desejam outros amanheceres, ou a sensação vívida de um abraço demorado, ombro molhado das lágrimas silenciosas a drenar alguma dor antiga - minha, deles, delas, nossa! E o toque das mãos, de lábios, de ombros - de corpo inteiro? E o que dizer da textura das vestes gentis da pele do outro corpo, das roupas, das superfícies...
E o cheiro? meu Deus, como é verdade que o corpo lembra do talco daquele bebezinho que acalentou, do cheiro de leite que os intervalos das mamadas não venciam guardar, da loção de uma pós barba que não arranhou, do suor dos corpos que se atraíram e se roçaram, do sabonete, do creme, do perfume.
E o sabor da boca, da pele, das lágrimas, do chocolate lambido no dedo gentil - e de outras artimanhas que o amor sabe oferecer...ah, o sabor!!
O corpo tem memória auditiva, reconhece os chamados, o encantamento do silêncio, os ruídos íntimos, as delícias ditas roçando os lábios na pele. O corpo ouve apelos, faz apelos - e ouvidos moucos.
E também enxerga coisas que nenhum outro sentido vê.
O corpo tem memória, definitivamente - e o fato desta frase ter propiciado um delicioso passeio pelas sensações - e minhas memórias - é a parte boa de uma conversa que poderia ter sido mais empática.
De um evento desagradável, ocupei-me da lição que me proporcionou, daquilo que me trouxe de bom - dolorida, mas aprendiz da vida!
*A imagem escolhida - por representar a leveza, a intensa beleza de minhas memórias e a transformação compartilhada com vocês - foi um presente ganho esta manhã da Helena, uma sobrinha reconhecida pelo coração, sensível e adorável!