Às vezes, tudo que precisamos é de um tempo...
Quando fica inverno dentro da gente, pode acontecer daquele sorriso bonito de que lembramos ficar congelado na retina da memória. É como se aquele gelo que sentimos na alma ao ouvir alguma coisa que machuca, nos faça encolher num canto que cura feridas, mas só acontece se houver silêncio em volta, e uma aparente solidão que nos pede para que, por um tempo, se recolham os abraços, os telefonemas, os encontros divertidos. No lugar do riso, nesse tempo, existe o pranto. A gente só precisa escoar a tristeza, lavar as sensações de abandono, rejeição, apagar a decepção, e silenciar.
Não é um tempo ruim, é um tempo necessário, que empresta da esperança a coragem para nos devolver mais inteiros, para que possamos voltar a caminhar lado a lado com quem amamos, escrever todo dia no roteiro da vida a escolha do cenário, o repertório renovado, observando a platéia que dá vida ao espetáculo.
Muitas das vezes, tudo que precisamos é fechar os olhos e evocar a paz, pedir a sabedoria, entender que para perdoar precisamos antes acertar as contas conosco mesmos. Esse tempo é aprendizado, é sair de cena sem abandonar o palco. É acender sem temor as luzes da ribalta interna, ver com clareza e sem pressa cada elemento que está em descompasso com a estação da vida, e encontrar uma forma de reorganizar a paisagem que vai compor o retrato. Quase sempre parece que esse milagre não tem como acontecer, mas se a gente mergulhar no tempo, com vontade, vai encontrar outros momentos semelhantes e descobrir que a alma sabe qual caminho escolher. Mas tem que silenciar pra ouvir o sussurro que indica qual porta abrir, os sinais claros para seguir, onde assoprar, qual canto limpar, por onde não voltar.
Muitas vezes precisamos é apertar o passo, afrouxar o laço, espiar ao longe, tapar os ouvidos, emudecer. Se dermos tempo ao tempo, depois de arrancar as raízes, regar novas sementes, esperar pelo orvalho de cada amanhecer, veremos brotar os frutos da esperança, sentindo a brisa que refresca o nascer do novo dia. Precisamos de um tempo pra plantar, e outro para colher.
Às vezes é questão corriqueira que ficou prisioneira de outras tantas tentativas de mudança, viagens rápidas que traçaram mal o caminho e devolveram ao tráfego da vida condutor perdido, desatento, sofrido. Tromba em quem cruza pelo caminho, enxerga na esquina o inimigo invisível, desce aos tombos a ladeira e se cansa demasiado na subida. Só o tempo cura a ressaca, tira o gosto ruim da garganta, elimina da face a noite escura que a alma atravessou.
Às vezes, precisamos ainda entender o tempo das outras pessoas, que precisam, como nós, afastarem-se da multidão de pensamentos, ideias, pessoas infelizes, dramas coletivos, carecem viver apenas as tragédias pessoais. Se soubermos esperar, elas voltam mais felizes, sorridentes, serenas. No seu tempo, com as cicatrizes que ensinaram sobre gratidão, renúncia, humildade, perdão, tolerância, amizade.
Quantas vezes vemos o machucado cicatrizando, e cutucamos a ferida até sangrar tudo outra vez? Nessa hora é preciso depor as armas e parar de lutar. Levantar a bandeira da paz e, simplesmente, entregar-se. Inspirar profunda e demoradamente. Abandonar o medo, recusar a facilidade oferecida pelas ilusões.
É isso, muitas vezes, a gente só precisa de tempo. Tempo de soltar, tempo de (a)prender. O tempo de renascer!